quinta-feira, fevereiro 10

Tem ximxim e acarajé...

Sempre achei que o melhor remédio para insônia fosse assistir os desfiles das escolas de samba do Rio e de São Paulo. Pela televisão, é claro. Porque quem está lá deve se divertir à beça. Mas pela telinha é um tédio profundo. Primeiro porque é um bando de gente andando em linha reta durante uma hora (uma hora e meia, sei lá), segundo porque aquilo dura a noite inteira e eu duvideodó bolinha zero ó, que alguém assista aquilo com o máximo de atenção. Acho que nem os jurados prestam atenção mesmo nos 1.389 quesitos super fundamentais que eles têm de analisar. Além disso, os sambas enredos são sempre aquelas coisas inacreditáveis. Aliás, esse assunto merece um parágrafo à parte:

Eu acho que os carnavalescos devem sofrer muito, coitados. Imagina ter de bolar um samba enredo INÉDITO todo ano. Para o tanto de escola de samba que tem, o ineditismo beira a insanidade. Daqui um pouco, vai ter escola de samba falando da extinção das borboletas vermelhas no sul do Zimbábue, ou da reprodução dos cangurus albinos no norte da Austrália. Até para Renato Russo e Chitãozinho e Xororó sobrou este ano. Aqui em Brasília, o autor de João de Santo Cristo foi para o Ceilambódromo (sem comentários...) e, em São Paulo, os pais de Sandy e Júnior (é, eles são pais da dupla sim, tá?) ganharam o segundo lugar!

Bom, mas o mais divertido mesmo é ver a narração do Carnaval. É tudo na vida! Graças a uma dor de garganta monstra, tive de ficar em casa na sexta-feira. E foi ótimo, porque eu tive a oportunidade única de conferir as pérolas que os comentaristas (?) foram obrigados a dizer ao vivo. Simplesmente não consegui tirar os olhos da televisão. Até peguei um papel para anotar tudo, mas, como era muita coisa, anotei só os mais absurdos.

Por exemplo: que porcaria de mania é essa que a Globo tem de colocar medidor de batimentos cardíacos em todo mundo? Eu tô cagando e andando (desculpem a expressão, mas é a única que se encaixa no que eu quero dizer...) para os batimentos cardíacos da rainha da bateria não sei de onde ou da velha guarda não sei de quem. O pior foi ter de ouvir a Renata Ceribelli dizer algo como:

“O mestre Cachorrão está usando um medidor de batimentos cardíacos. Daqui um pouco a gente vai saber como andam as batidas dele”

Nossa, mal pude conter a minha ansiedade em saber a quantas andava o coração do Cachorrão. O pior foi o comentário seguinte.

130! É, tá calmo ainda. Mas vai subir, vai subir!

Pensa que acabou? Não! Aquilo era só o começo. Na falta do que falar, ela me veio com comentários do tipo:

E a escola vem! Olha só que imagem bonita! Colorindo a avenida. A torcida cantando, sambando. É uma festa na avenida paulista!

Corta para a imagem da torcida. Todo mundo com cara de tédio.

Como se não bastasse isso, ainda teve os comentários inteligentes e as perguntas complexas e profundas para a expert em carnaval, Lecy Brandão.

Lecy, esse ano a escola vem com 1.150 integrantes a mais que no ano passado. É um desafio para a evolução?

Lecy, você que acompanha o Carnaval há muito tempo, o que você acha da presença de Paritins no Carnaval de São Paulo e do Rio de Janeiro? Essas alegorias com os animais em movimento?


E por aí foi...


Na segunda-feira, estou eu assistindo um pedacinho do desfile da Sapucaí, quando rola aquela confusão com a Portela. O carro da velha guarda quebrou e o povo não pôde desfilar. Aí, fica aquele drama. Repórter dizendo que os velhinhos estão passando mal, velhinhos dizendo que a segurança agiu com violência, segurança dizendo que está cumprindo ordens do diretor da escola, o diretor da escola dizendo que está preocupado com o desenvolvimento do desfile, e eu lá. Em casa. E o sono batendo. Mas resisti bravamente.

Até a próxima escola.

A Tradição veio com um desfile falando de Hans Christian Andersen e Monteiro Lobato. Eu ali, fazendo um esforço enorme para vencer o sono e entender como seria a coisa quando me vem mais um diálogo inteligente:

- A comissão de frente já está em posição para começar o desfile. Fulano, essa fantasia de patinho feio é muito pesada? Vai dar para fazer o desfile com essa fantasia?
- Não. A fantasia é super leve. Feita de não sei do que lá. E isso não é um patinho feio. Isso é um cisne.

Corta para a cara de bunda do repórter.

Como se não fosse pouco, ainda teve a pérola da noite. A escola toda pronta para entrar na avenida, o locutor (narrador?) explicando o enredo, os carros alegóricos, o número de componentes, essas coisas, quando me solta essa:

A escola homenageia Hans Christian Andersen que, se estivesse vivo, estaria completando 200 ANOS em 2005!

Me deu tanta raiva, que desliguei a televisão e fui dormir. Mas aí, fiquei pensando e fazendo umas continhas. Andersen, se estivesse vivo, estaria completando 200 anos. Tiradentes, se estivesse vivo, estaria completando 259 anos. Machado de Assis, se estivesse vivo, estaria completando 166 anos. Henry Ford, se estivesse vivo, estaria completando 142 anos. Santos Dumont, se estivesse vivo, estaria completando 162 anos. Pedro Álvares Cabral, se estivesse vivo, estaria completando 537 anos.

A pergunta é: quem é que vive tanto? É o tipo de informação que não presta para nada.

Virei para o lado e fui dormir.


PS1: Não posso deixar de registrar aqui que Carla Perez foi a comentarista (?) do Carnaval de Salvador.
PS2: Li numa revista que, para manter a forma antes dos desfiles de Carnaval, Adriane Galisteu chupa gelo para espantar a fome. Nunca a expressão ‘vai chupar gelo’ foi tão bem aplicada na história da humanidade
PS3: Assistindo à apuração dos votos, uma dúvida ficou na minha cabeça: qual é a diferença entre 9,8 e 9,9 na pontuação. É frescura de jurados, né não?
PS4: Ninguém merece aquela espuminha branca no carnaval. Aquilo é uma coisa muito preguenta e deveria ser proibida. E tenho dito!